quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A inimputabilidade do drogado - retirado de coletivo DAR

Coletivo DAR

No último dia 19/12, na Folha de São Paulo, pudemos acompanhar mais um caso de denúncia de maus-tratos em clínicas de “reabilitação” de dependentes. São impressionantes as imagens relatadas, os métodos brutais, mas mais impressionante do que esse simulacro de prisão ou de campo de concentração é a reação do dono do estabelecimento: “Denúncia de drogado não deve ser levada a sério”. Um salto qualitativo em relação à Nuremberg: o acusado não lava as mãos falando que apenas cumpria algum tipo de ordem (ou de protocolo, a versão contemporânea do chefe). Não, ele aponta para a questão de que um drogado pode falar qualquer coisa para não se afastar das drogas, não pode então ser considerado como um sujeito razoável capaz de avaliar a própria condição desumana à qual é subjulgado.

É o manicômio do século XXI: sedação, regimes de solitária para os que causam mais problemas, tortura e castigos físicos e psicológicos, tudo isso para resgatar a sanidade daqueles que caíram nas fendas do vício e da impureza. Pois afinal, tratar um usuário de crack mantendo ele completamente dopado de substâncias vendidas na farmácia parece ser uma boa idéia (um coquetel de Fenergan, Haldol e Diazepan, coisa leve, “recreativa”, diriam os defensores da legalização). O problema parece se situar mais na espiritualidade corrompida do jovem, que se entrega ao hábito ilícito, do que no fato dele não ter controle sobre o uso do próprio corpo, virtude que se mostra negada à força nesse tipo de clínica estilo “Auschwitz”.

Como também vimos recentemente numa pesquisa da Fundação Perseu Abramo, os usuários de drogas são, ao lado dos ateus, as pessoas mais odiadas pela população. Isso nos aponta tanto o descaso público com relação a esse tipo de estabelecimento brutal (que são vários, embora a denúncia só tenha revelado um) e também o que leva aos donos e aos profissionais que lá trabalham a aceitarem esse tipo de “proposta”.

O drogado, segundo essa lógica, é uma pessoa inimputável, está completamente fora de si em razão da fissura pela droga. Logo, ela deve ser submetida, necessariamente, a coisas as quais ela não vai gostar, a começar pelo afastamento compulsório da droga (saúde nesse caso é sinônimo de abstinência.Das drogas ilícitas claro, ninguém liga para um café ou uma cervejinha). Se já não bastasse esse ideal de abstinência, carregado de ranço e proselitismo religioso, os meios de atingi-lo também parecem mais com as cruzadas cristãs, que invadiam, massacravam e pilhavam em nome de Deus.

Ao negar a cidadania ao dependente de drogas, abra-se mão de tratá-lo como humano. Pior, abre-se mão de tratá-lo como alguém que pode necessitar do sistema de saúde como todos os outros cidadãos. A lógica da abstinência coloca-a como a mais imprescindível das prerrogativas até mesmo para o atendimento de saúde. Até que o dependente pare definitivamente e para sempre de usar sua substância (ilícita), todos e quaisquer problemas de saúde que ele venha a ter serão em função desse uso, e de nada adiantará tratá-lo, pois a saúde definitiva não pode se distanciar do respeito às leis. O fascismo não necessita mais de suas figuras carismáticas para impregnar a sociedade de suas idéias e suas metodologias.

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