quarta-feira, 28 de julho de 2010

Posicionamentos (Mulher Corajosa!!!) : Lúcia Karam, antiproibicionista: 'Não são as drogas que causam violência, é a ilegalidade imposta'

Ex-defensora pública e juíza aposentada no Rio de Janeiro, Maria Lúcia Karam é um dos principais expoentes teóricos do antiproibicionismo brasileiro. Libertária e ativista do abolicionismo penal.

Em entrevista exclusiva para o coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), ela abordou um pouco de suas convicções e opiniões acerca dos efeitos do proibicionismo em geral e de nossa atual lei, do abolicionismo penal, da questão das drogas nas eleições 2010 e também sobre o posicionamento de esquerda e direita neste debate. "É preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas, de modo a efetivamente afastar os riscos, os danos e os enganos do proibicionismo, que provoca violência, que provoca maiores riscos e danos à saúde, que cerceia a liberdade, que impede a regulamentação e um controle racional daquelas atividades econômicas", sintetiza Karam, uma mente desentorpecida.

Maria Lúcia, nos inspiramos em suas formulações para nomear nosso coletivo e também para pautar muitas de nossas reflexões. Gostaria que comentasse rapidamente em que consiste a "razão entorpecida" que pauta nossas atuais políticas de drogas, e quais os impactos principais dela.

Costumo dizer que somente uma razão entorpecida sustenta a globalizada política de drogas porque um mínimo de racionalidade demonstra não só o fracasso de seus declarados objetivos, como também – e mais importante – os graves riscos e danos decorrentes da proibição. Após um século de proibição, agravada nos últimos quarenta anos pela adoção da política de "guerra às drogas", a pretendida erradicação das drogas tornadas ilícitas não aconteceu e nem mesmo a redução de sua circulação. Ao contrário, essas substâncias proibidas foram se tornando mais baratas, mais potentes e muito mais facilmente acessíveis.

Inspiradas pelo paradigma bélico, medidas repressivas impostas pelas convenções da ONU e pelas leis internas criminalizadoras das condutas de produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas se caracterizam por uma sistemática violação de clássicos princípios garantidores de direitos fundamentais, provocando um vertiginoso aumento no número de pessoas presas em todo o mundo e ameaçando os próprios fundamentos da democracia.A proibição conduz a uma total ausência de controle sobre o mercado tornado ilegal, entregue a agentes que, atuando na clandestinidade, não estão sujeitos a quaisquer limitações reguladoras de suas atividades.

A proibição provoca maiores riscos e danos à saúde: impede a fiscalização da qualidade das substâncias comercializadas; sugere o consumo descuidado e não higiênico; dificulta a busca de assistência; constrói preconceitos desinformadores e obstáculos às ações sanitárias; cria a atração do proibido, acabando por estimular o consumo especialmente por parte de adolescentes.

A proibição causa violência. Não são as drogas que causam violência, mas sim a ilegalidade imposta ao mercado. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. É a ilegalidade que cria a violência. A produção e o comércio de drogas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. A violência não provém apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas. Além disso, há a diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria idéia de crime, a sempre gerar violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do "criminoso", ou, pior, do "inimigo".

A realidade e a história demonstram que o mercado das drogas não desaparecerá. As pessoas continuarão a usar substâncias psicoativas, como o fazem desde as origens da história da humanidade, nada importando a proibição. Em um ambiente de legalidade, as pessoas estarão muito mais protegidas, tendo maiores possibilidades de usar tais substâncias de forma menos arriscada e mais saudável.

Como é vista a questão das drogas dentro do sistema judiciário e do meio jurídico? Existem mais vozes dissonantes? Em seu texto "A lei 11.343 e os repetidos danos do proibicionismo" você aponta incoerências e inclusive inconstitucionalidades na nossa atual lei de drogas, como é possível que não haja contestação jurídica desta lei?

A maioria dos juízes – e dos profissionais do direito em geral – costuma interpretar e aplicar as leis de forma burocrática, ignorando a supremacia das normas garantidoras de direitos fundamentais, inscritas nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, ignorando o fato de que uma lei só é válida – e, portanto, só é aplicável – quando se harmoniza com essas normas garantidoras de direitos fundamentais. Por isso, dispositivos claramente inconstitucionais presentes na Lei 11.343 ainda subsistem e são pouco contestados. Isso, evidentemente, acontece não só no Brasil.

No entanto, alguns avanços podem ser constatados. No Brasil, vale lembrar o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido na Apelação Criminal 01113563.3/0-0000-000, relator o juiz José Henrique Rodrigues Torres, em que foi declarada a inconstitucionalidade da regra criminalizadora da posse de drogas para uso pessoal.

No caso da Argentina houve uma decisão jurídica da Suprema Corte que na prática descriminalizou o consumo de drogas. Você acredita que existe possibilidade do STF se posicionar de maneira a questionar o proibicionismo?

A importante decisão da Suprema Corte argentina de 25 de agosto de 2009, em que declarada a inconstitucionalidade da criminalização da posse de drogas para uso pessoal, é um exemplo dos avanços antes mencionados.

Confio que o STF também exerça a função maior de todos os juízes que é a de garantir a supremacia das normas inscritas nas declarações internacionais de direitos e na Constituição, de garantir a efetividade dos direitos fundamentais de cada indivíduo. Assim exercendo corretamente sua função, o STF certamente deverá também proclamar a manifesta inconstitucionalidade da criminalização da posse de drogas para uso pessoal.

Qual a importância de debater a questão das drogas relacionando-a à criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e perante a constatação da seletividade do sistema jurídico?

A "guerra às drogas" não se dirige propriamente contra as drogas. Como qualquer outra guerra, dirige-se sim contra pessoas – nesse caso, os produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas. Como acontece com qualquer intervenção do sistema penal, os mais atingidos pela repressão são os mais vulneráveis econômica e socialmente, os desprovidos de riquezas, os desprovidos de poder.

No Brasil, os mais atingidos são os muitos meninos, que, sem oportunidades e sem perspectivas de uma vida melhor, são identificados como os "traficantes", morrendo e matando, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. Os que sobrevivem, superlotam as prisões brasileiras.

Nos EUA, pesquisas apontam que, embora somente 13,5% de todos os usuários e "traficantes" de drogas naquele país sejam negros, 37% dos capturados por violação a leis de drogas são negros; 60% em prisões estaduais por crimes relacionados a drogas são negros; 81% dos acusados por violações a leis federais relativas a drogas são negros. Os EUA encarceram 1.009 pessoas por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens brancos, são 948 por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens negros, são 6.667 por cem mil habitantes. Sob o regime mais racista da história moderna, em 1993 – sob o apartheid na África do Sul – a proporção era de 851 homens negros encarcerados por cem mil habitantes. Como ressalta Jack A. Cole, diretor da Law Enforcement Against Prohibition-LEAP – organização internacional que reúne policiais, juízes, promotores, agentes penitenciários e da qual orgulhosamente faço parte – é o racismo que conduz a "guerra às drogas" nos EUA.

Na Europa, a mesma desproporção se manifesta em relação aos imigrantes vindos de países pobres. Quem deseja construir um mundo melhor, quem deseja construir sociedades mais iguais, mais justas, mais livres, mais solidárias, seguramente precisa lutar pelo fim da "guerra às drogas", precisa lutar pela legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas.

É possível se incluir um nicho marginalizado na sociedade sem que este torne-se mais um mecanismo exploratório da mídia e do consumo?

Sociedades não deveriam ter "nichos marginalizados". Todos devem estar incluídos nas sociedades. Manipulações e explorações da mídia e dos incentivos a um consumismo descontrolado não são algo preocupante apenas quando se trata de integrar "nichos marginalizados", sendo sim algo que deve ser permanentemente enfrentado.

Como avalia o posicionamento dos presidenciáveis frente à questão das drogas? Além dos presidenciáveis como vê o silêncio de figuras públicas vinculadas a partidos?

Acho lamentável o posicionamento que todos os presidenciáveis e a maioria das figuras públicas brasileiras vinculadas a partidos têm externado em relação às drogas. Repetem o enganoso discurso proibicionista. Ratificam e/ou compactuam com a globalizada política proibicionista fundada na inútil, perigosa, violenta, danosa e dolorosa "guerra às drogas".Por outro lado, o silêncio frequentemente reflete uma auto-censura, uma postura de quem receia contrariar pensamentos eventualmente majoritários, de quem pauta sua atuação política por momentâneas pesquisas de opinião.

Muitas pessoas defendem uma saída no sentido de somente descriminalizar ou regulamentar a posse de drogas para consumo próprio, mantendo o tráfico sob forte repressão. Como avalia essa proposição? Seria isso o que é possível no momento ou uma saída para somente um setor da sociedade?

A descriminalização da posse para uso pessoal das drogas ilícitas é um imperativo derivado da necessária observância dos princípios garantidores dos direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas. A posse de drogas para uso pessoal é uma conduta que não atinge concretamente nenhum direito de terceiros. É uma conduta privada que não pode sofrer qualquer intervenção do Estado. Em uma democracia, a liberdade do indivíduo só pode sofrer restrições quando sua conduta atinja direta e concretamente direitos de terceiros.

Mas essa imperativa descriminalização não é suficiente. Praticamente nada mudará, a não ser que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas possam se desenvolver em um ambiente de legalidade. É preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas, de modo a efetivamente afastar os riscos, os danos e os enganos do proibicionismo, que provoca violência, que provoca maiores riscos e danos à saúde, que cerceia a liberdade, que impede a regulamentação e um controle racional daquelas atividades econômicas.

Não se pode parcial e egoisticamente defender apenas os direitos de consumidores de drogas e ignorar ou até mesmo compactuar com as gravíssimas violações de direitos das maiores vítimas da "guerra às drogas" – no Brasil, repita-se, os muitos meninos que negociam e trabalham no árduo mercado tornado ilegal.

Tampouco se pode pensar no paradigma de redução de riscos e danos apenas em um sentido que o vincula unicamente a questões concernentes à saúde. Aliás, o desenvolvimento de programas terapêuticos de redução dos riscos e danos relacionados às drogas tornadas ilícitas no interior de um ordenamento proibicionista, que maximiza esses riscos e danos, torna-se algo irracional e insustentável, ou, na melhor das hipóteses, uma política que se satisfaz com o enfrentamento apenas de alguns riscos e danos menos graves, deixando de lado os riscos e danos mais graves, inclusive os diretamente relacionados e agravantes dos mais limitados riscos e danos enfrentados.

Não se pode parcial e maniqueistamente defender apenas a legalização de uma ou outra droga apresentada como "boa" ou "inofensiva", como fazem defensores da maconha ou da folha de coca, que, reproduzindo a mesma artificial distinção que sustenta a enganosa e nociva divisão das drogas em lícitas e ilícitas, pretendem se apresentar como os "bons", se diferenciando dos "maus" produtores, comerciantes e consumidores de drogas ditas "pesadas". Não se pode pretender reduzir riscos e danos relacionados às drogas e não se incomodar com a nocividade do proibicionismo.

Somente a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas porá fim à enorme parcela de violência provocada pela proibição. Somente a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas permitirá a efetiva regulação e o controle do mercado, de forma a verdadeiramente proteger a saúde. Somente a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas permitirá a economia dos recursos atualmente desperdiçados na danosa "guerra às drogas" e o aumento da arrecadação de tributos, assim permitindo a utilização desses novos recursos em investimentos socialmente proveitosos.

E como você encara a participação de setores conservadores neste debate, cujo exemplo mais marcante é o ex-presidente FHC?

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que para se apresentar como um reformador nesse tema deveria, antes de tudo, fazer uma profunda autocrítica sobre a política desenvolvida em seu governo – basta lembrar que foi em seu governo que foi criada a militarizada SENAD –, na realidade, avançou muito pouco.

O relatório da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, da qual é um dos líderes, afirma o fracasso e aponta danos da "guerra às drogas". No entanto, paradoxalmente, apóia ações repressivas, inclusive com a intervenção das Forças Armadas, propondo apenas a mera adoção de programas de saúde fundados no paradigma de redução de riscos e danos e a mera descriminalização da posse para uso pessoal tão somente da maconha.

Setores ditos "conservadores" que verdadeiramente se posicionem no sentido da legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas, naturalmente, devem ser muito bem-vindos. Todas as forças que se disponham a lutar para obter essa conquista fundamental para o bem-estar da humanidade, certamente, devem ser recebidas com entusiasmo. Posicionando-se verdadeiramente pela legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas poderão até ser "conservadores" em alguns temas, mas estarão demonstrando um compromisso com a liberdade e com o bem-estar das pessoas que deve ser saudado.

O seu nome é invariavelmente ligado aos debates sobre o abolicionismo penal. Poderia nos explicar como acredita que devem ser pautados nossos conflitos sociais para além do direito penal? Como isso se daria concretamente em um ambiente capitalista?

Uma agenda política voltada para o aprofundamento da democracia, para a construção de um mundo melhor, para a construção de sociedades mais iguais, mais justas, mais livres, mais solidárias, onde os direitos fundamentais de todos os indivíduos sejam efetivamente respeitados, há de ter o fim do poder punitivo e a conseqüente abolição do sistema penal como um de seus principais itens.

A luta pela abolição do sistema penal é uma luta pela liberdade; uma luta contra um sistema que estigmatiza, discrimina, produz violência e causa dores; uma luta para pôr fim a desigualdades; uma luta para reafirmar a dignidade inerente a cada um dos seres humanos, assim devendo ser parte inseparável da busca de uma reorganização das sociedades que, superando a violência, as opressões, explorações, desigualdades e misérias provocadas quer pelo capitalismo, quer pelo que se convencionou chamar de socialismo real, possa lançar as bases de um novo patamar de convivência entre as pessoas.

A força ideológica da enganosa publicidade do sistema penal cria a falsa crença que faz com que o controle social, fundado na intervenção do sistema penal, apareça como a única forma de enfrentamento de situações negativas ou condutas conflituosas. Na realidade, porém, as leis penais não protegem nada nem ninguém; não evitam a realização das condutas que por elas criminalizadas são etiquetadas como crimes. Servem apenas para assegurar a atuação do enganoso, violento, danoso e doloroso poder punitivo.

A intervenção do sistema penal, além de provocar danos e dores, é sempre inútil, é sempre tardia, chegando sempre somente depois que o evento indesejável já ocorreu. Essa inútil, tardia, violenta, danosa e dolorosa intervenção do sistema penal deve ser substituída por mecanismos formais e informais de controle (exercido por organismos como a família, a escola, as igrejas, os clubes, as associações, sistemas de saúde e assistência social, leis e aparatos judiciários civis e administrativos) que possam efetivamente regular a vida em comum e evitar ao máximo a produção de situações negativas ou condutas conflituosas no convívio entre as pessoas.

Naturalmente, um convívio mais saudável e menos produtor de conflitos passa pela garantia de respeito e bem-estar para todos os indivíduos. Energias e investimentos desperdiçados com a ilusória e nefasta segurança máxima de prisões devem ser substituídos por energias e investimentos voltados para garantir alimentação saudável, habitação confortável, escolas de boa qualidade, trabalho satisfatoriamente remunerado, lazer, cultura, enfim, dignidade para todas as pessoas.

Os danos e as dores produzidos pelo sistema penal revelam a total falta de racionalidade da idéia de punição. Qual a racionalidade de se retribuir um sofrimento causado pela conduta criminalizada com outro sofrimento provocado pela pena? Se se pretende evitar ou, ao menos reduzir, as condutas negativas, os acontecimentos desagradáveis e causadores de sofrimentos, por que insistir na produção de mais sofrimento com a imposição da pena? O sistema penal não alivia as dores de quem sofre perdas causadas por condutas danosas e violentas, ou mesmo cruéis, praticadas por indivíduos que eventualmente desrespeitam e agridem seus semelhantes. Ao contrário. O sistema penal manipula essas dores para viabilizar e buscar a legitimação do exercício do ainda mais violento, danoso e doloroso poder punitivo. Manipulando o sofrimento de indivíduos atingidos por seus semelhantes, incentiva o sentimento de vingança. Desejos de vingança não trazem paz de espírito. Desejos de vingança acabam sendo autodestrutivos. O sistema penal manipula sofrimentos para perpetuá-los e para criar novos sofrimentos.

O destrutivo sentimento de vingança, manipulado pelo sistema penal, deve ser trocado pelo perdão, pela compaixão, pela compreensão, abrindo espaço, nos conflitos interindividuais, para estilos compensatórios, assistenciais, conciliadores. Os bens e as riquezas produzidos nas sociedades, certamente, devem ser compartilhados. Mas, é preciso também aprender a conviver com os desconfortos nelas gerados e buscar o entendimento, a proximidade com o conflito, as soluções formadas a partir da consideração de todas as nuances do caso concreto e do respeito à dignidade de todos os envolvidos.

Ciência Psicodélica no século XXI

Psicodélico – Termo cunhado pelo psiquiatra britânico Humphry Osmond, em carta ao escritor e amigo Aldous Huxley, unindo os termos gregos “ψυχή” (psyche, mind) e “δήλος” (delos, manifesting), resultando em “Que manifesta a mente”


Eles estão de volta à bancada. Depois do uso disseminado pelas massas beatniks e hippies nos anos 60 nos EUA e da forte repressão que se seguiu em todo o mundo, os psicodélicos finalmente reencontraram seu rumo médico-científico, que sofreu muito mais com a proibição do que o uso ilegal por artistas, músicos, psiconautas, curandeiros, xamãs e aventureiros em geral. A escalada científica das substâncias encabeçadas pelo LSD, provavelmente a molécula mais famosa do mundo, fica evidente se examinarmos apenas alguns acontecimentos marcantes da primeira década do admirável século novo: os simpósios psicodélicos que rolaram em Basel, na Suíça; em 2006 comemorando o centenário de Albert Hofmann, pai do LSD e identificador da psilocina e psilocibina, e novamente em 2008, ano em que Hofmann faleceu aos 102 anos. Esta escalada conta também com a publicação de dois artigos surpreendentes pela equipe do pesquisador Roland Griffiths (Johns Hopkins) mostrando que a experiência controlada com psilocibina é capaz de evocar experiências místicas que mudam por completo a vida dos voluntários (Psychopharmacology, 2006 vol. 187 p. 268) e cujos efeitos puderam ser estatisticamente verificados em um estudo com os mesmos sujeitos 14 meses após a experiência com o princípio ativo dos cogumelos mágicos (Journal of Psychopharmacology, 2008 vol. 22 p. 621). Nada que os hippies, beatniks, curandeiros, xamãs e psiconautas não soubessem há décadas (em alguns casos até séculos). Este resultado também já havia sido demontrado em Harvard no início dos anos 60, na famosa tese de doutorado em religião defendida por Walther Pahnke, antes da polêmica expulsão de Tim Leary e Richard Alpert (Ram Dass), que viria a catapultá-los como pais da contracultura psicodélica nos anos seguintes. Ainda assim, re-evidenciar o fato (re-search) com os mais rigorosos e criteriosos métodos da chamada ciência hard-core moderna e publicá-los em revistas de alto impacto é pra chacoalhar mesmo os mais materialistas e reducionistas da área. Pra quem gosta de acompanhar assuntos quando estes chegam ao topo, os psicodélicos já estão lá: no fim de 2009 saiu, pela primeira vez em décadas, um artigo publicado na Science com a palavra “hallucinogen”: a identificação do receptor Sigma-1 como alvo do DMT (Science, 2009 vol. 323 p. 934), princípio ativo de diversas plantas xamânicas da amazônia, sendo a principal uma das duas que formam a combinação conhecida como ayahuasca, ou yagé.

Mas não é só isso. A neurociência que se prepare. Os tempos de abrir a cabeça estão apenas começando. A escalada psicodélica nos laboratórios, básicos e clínicos, consagrou-se no mês de Abril de 2010 na Califórnia, berço do movimento contra-cultura dos anos 60. Foi entre os dias 15 e 18 que a MAPS, Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos, conseguiu reunir em San José, próximo de São Francisco, cerca de mil interessados no ramo, de várias partes do mundo. A chegada no congresso já deixava claro que se tratava de um evento ímpar. Hippies de roupas bizarras e cabelos coloridos, dreads e tatuagens dividiam espaço nos auditórios e nos ambientes a céu aberto com pesquisadores engravatados, estudantes, repórteres, médicos e muita gente descontraída. A conferência foi co-organizada pelas instituições parceiras da MAPS: o Conselho sobre Práticas Espirituais (CSP), o Heffter Research Institute e a Beckeley Foundation.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Momento de distração:

SAÚDE MENTAL Por
Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.

Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, bastar fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.

Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito.

O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes.

Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele.

Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.

Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou.

Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente contra-indicados. Já o rock pode ser tomado à vontade.

Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.

Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram.
Autor: Rubem Alves

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Reforma e Anti-reforma

Repassem por favor essa notícia preocupante.
Aline.

Caros,

Entendo que esta resolução abaixo, do Conselho Federal de Medicina, publicada no DOU em 07 de julho de 2010, antes da Conferencia Nacional de Saúde (talvez se antecipando a ela, por motivos políticos), é preocupante.

Há uma declaração de guerra à Reforma Psiquiátrica e aos resultados da IV Conferência Nacional de Saúde. O problema é que a resolução e a Conferência, ambas são respaldadas pelo MS.

Na resolução se reafirma as Diretrizes da ABP para a Assistência Psiquiátrica de 2006 (não de 2008 como está no decreto). Nela os CAPS são chamados de CAMPS, ou seja Centro Médico, Psicológico e Social (o antiquissimo modelo bio-psico-social) , o que é absolutamente inaceitável para a Reforma. O Hospital Especializado continua o centro da assistência, subordinando dispositivos (que deveriam ser substitutivos) da Reforma a ele. São os CAISM, Centro de Atenção Integral a Saúde Mental, alguns entregues às Universidades e transformados a partir de alguns Hospitais existentes. Recauchutagem do manicômio agora com tudo: promoção, prevenção, ambulatório, pronto socorro, CAMPES (os CAPS médicos), hospital parcial e hospital para internação em tempo integral, SRT 1 e 2, Leitos em Hospital Geral, ressuscita o Hospital Dia, fala de Hospital noite e de Centros de Atendimento integral, Ambulatórios Especializados, interconsulta (médica) entre PSF e UBS, CAMPS, tudo subordinado ao CAISM. Portanto uma proposta completamente avessa na apropriação de dispositivos da reforma.

Se isso não bastasse, essa resolução do CFM vai mais longe. Revoga a portaria que considerava a assistência como proteção de direitos humanos, de acordo com a Resolução de Caracas e a que diz que o diretor técnico é responsável pelos direitos das pessoas internadas. Na mesma linha. Parece missão James Bond: licença para matar! E ainda revoga todas as recomendações para a internação involutária, deixando tudo como era antes.
Cliquem no decreto que abre um link, já com as correções.
Portanto entendo essa portaria como absolutamente preocupante e o campo precisa se organizar para enfrenta-la.
De antemão acho perigoso qualquer reaproximação de propostas. O Hospital Psiauiátrico e o Manicômio são a mesma pessoa. Quer público ou privado. "Hospital bom é hospital fechado" diz um refrão do Sistema Nervoso Alterado. Aqui o posicionamento tem que ser firme para se organizar o campo da disputa aberta.
Sorte pra nós.
Edmar Oliveira

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1952/2010

(Publicada no D.O.U. de 07 de julho de 2010, seção I, p.133)

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e

CONSIDERANDO que a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, estabelece critérios para a reorientação da assistência aos portadores de doenças mentais;

CONSIDERANDO que a Comissão designada pela Associação Brasileira de Psiquiatria elaborou diretrizes para um modelo de assistência integral em saúde mental no Brasil;

CONSIDERANDO que em sessão plenária de 15 de agosto de 2008 o Conselho Federal de Medicina aprovou essas diretrizes no Parecer CFM nº 21/08, da Câmara Técnica de Psiquiatria, de autoria do ilustre conselheiro Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, recomendando elaboração de resolução para tal adoção;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária de 11 de junho de 2010,

RESOLVE:

Art. 1º Adotar as diretrizes para um modelo de assistência integral em saúde mental no Brasil, da Associação Brasileira de Psiquiatria, aprovada em 15 de agosto de 2008, como instrumento norteador das políticas de saúde mental no país. (Anexo)

Art. 2º Revogar a Resolução CFM nº 1.407, de 8 de junho de 1994, que adota os princípios para a proteção de pessoas acometidas de transtorno mental e para a melhoria da assistência à saúde mental, e a Resolução CFM nº 1.408, de 8 de junho de 1994, que dispõe acerca das responsabilidades do diretor técnico, diretor clínico e dos médicos assistentes no tocante à garantia de que, nos estabelecimentos que prestam assistência médica, os pacientes com transtorno mental sejam tratados com o devido respeito à dignidade da pessoa humana.

Art. 3º Revogar o 1º considerando, o § 3º do artigo 15 e os artigos 17 e 18 daResolução CFM nº 1.598 de 9 de agosto de 2000, que normatiza o atendimento médico a pacientes portadores de transtorno mental.

Art. 4º Esta resolução entra em vigor na data de sua aprovação.
Brasília-DF, 11 de junho de 2010
ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA

Presidente Secretário-geral

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Vamos propor um projeto de Consultório de Rua para Alagoinhas - Bahia?

Prezado Sr.Rogério

Agradecemos seu contato com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD. Gostaríamos de cumprimentá-lo pela iniciativa em desenvolver um trabalho sobre a temática drogas, e por ser um cidadão consciente de que todos somos responsáveis pela melhoria da qualidade de vida da sociedade.

Em atenção, informamos que, nessa primeira etapa, o Programa Ações Integradas na Prevenção ao Uso de Drogas e Violência, uma trabalho da SENAD em parceria com o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), do Ministério da Justiça abrange cinco regiões metropolitanas do País, selecionadas pelos altos índices de criminalidade e violência e por integrarem os Territórios de Paz do PRONASCI. Estes Territórios são localidades identificadas por demandas de atenção especial para resolver as questões de segurança pública e incluem áreas das cidades de Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Salvador (BA) e Distrito Federal (DF) e entorno.

Informamos, também, que o Decreto nº 7.179, de maio de 2010, que institui o “Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas Ilícitas com vistas à prevenção do uso, ao tratamento e à reinserção social de usuários e ao enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas”, possibilitará que os Municípios proponham projetos na área de drogas.

Dentre as ações do Decreto, levando-se em consideração que cada Projeto deve ser adequado a sua realidade, poderá propor um Projeto para seu Município. Sendo conhecedor da rede social do Município/Estado, poderá fazer articulações, estabelecer parcerias entre os diversos setores, pois, ao conhecerem a realidade do próprio Município, poderão apoiar e, assim, elaborar um Projeto na área de drogas. Sugerimos, também, que entre em contato com o CONEN de seu Estado (ou, se houver, COMAD em seu Município), pois são, respectivamente, os Órgãos articuladores no estado e no município.

Como fonte de referência, sugerimos o Portal do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas - OBID: www.obid.senad.gov.br e o site da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD: www.senad.gov.br , onde poderá encontrar subsídios para trabalhos na área de prevenção do uso indevido de drogas e, no item "Legislação – Políticas” encontra-se disponibilizada a Política Nacional sobre Drogas. Estamos, também, lhe enviando, em anexo, o Decreto nº 7.179.


Atenciosamente,

Coordenação Geral de Políticas de Prevenção, Tratamento e Reinserção Social

SENAD/GSI/PR

terça-feira, 13 de julho de 2010

Redução de danos é o caminho certo contra o crack

Escrito por Veronica Almeida do Jornal do Commercio
Redução de danos é a principal estratégia da Secretaria de Saúde do Recife para o plano integrado com outras áreas que a prefeitura pretende lançar ainda este mês contra o crack.

Introduzida na política de saúde mental do município desde 2001, ganhou status de programa em 2004 e agora norteia todas as ações de prevenção e assistência a dependentes químicos, seguindo tendência do Ministério da Saúde. “Vamos implantar dez consultórios de rua, ampliar o horário de funcionamento dos seis Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps-AD) com a contratação de 50 profissionais e criar uma escola de redutores de danos”, adianta o secretário-executivo da Saúde, Tiago Feitosa.

Com a redução de danos, a abstinência não é a primeira condição para início do tratamento nem o único objetivo. Ajudar a pessoa a se conhecer, a cuidar de si, a reorganizar a vida e reconstruir vínculos com a família e a sociedade são os pontos de partida. A lógica é diminuir prejuízos, respeitando a escolha do indivíduo. Os redutores de danos atuam nas escolas, nas ruas, nos bares, nos postos de saúde, nos Caps – centro onde o usuário de droga pode passar uma parte do dia em terapia de grupo e individual – e albergues que abrigam quem precisa ficar longe de casa ou do assédio dos traficantes. No Carnaval estão nos focos da folia orientando sobre o uso de preservativo nas relações sexuais e convencendo quem bebe álcool a não dirigir veículos.

A redução de danos seria, então, o atestado de impotência diante das drogas? A professora Roberta Uchôa, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, especializada em álcool e drogas e com experiência na assistência a dependentes químicos, diz que “uma sociedade sem drogas é sonho impossível”. A história “demonstra que sempre usamos algum tipo de droga com diferentes finalidades, para obtenção de prazer e para fins do comércio e do lucro, como no caso das indústrias do álcool, do tabaco e dos medicamentos”. Por isso, argumenta, são necessárias políticas integrais que promovam a redução da oferta, da demanda e dos danos relacionados ao uso.

Roberta Uchôa coordena o projeto de criação da escola de redutores de danos em parceria com a Prefeitura do Recife. Lembra que no Brasil o debate sobre o uso terapêutico da maconha ganha força com a proposta de criação da Agência Nacional de Cannabis Medicinal, para conduzir estudos, por exemplo, como o da erva em substituição ao crack. “Temos que promover debate com evidências científicas para dar conta da tamanha complexidade.” A redução de danos pode ser aplicada a hipertensos, diabéticos, orientando-os a reduzir o consumo de sal e açúcar. No caso de álcool e drogas, explica, “a maioria dos dependentes não consegue parar de usar e muitos não querem parar. Por que com estes temos que adotar a estratégia do tudo ou nada?”.

João Marcelo Costa, psicólogo e gerente clínico do Caps-AD Eulâmpio Cordeiro, explica que uma estratégia inicial de redução de danos pode ser orientar o usuário a utilizar cachimbo apropriado em vez de um improvisado com tubo de caneta que acaba causado infecção respiratória. Depois, vai se construindo com o usuário alternativas de redução do uso. Para ele, o crack desafia a clínica por estabelecer uma dependência muito rápida e chama a atenção da sociedade por exigir políticas públicas. “É a mazela da vez. Houve tempo em que a loucura ocupou muito esse lugar, depois veio a cólera”, exemplifica. O subproduto da cocaína, mais barato e devastador, causa também impacto pela violência em seu entorno. “O problema não é simplesmente a droga e sim a relação que a pessoa estabelece com ela e que impede a vivência de outras coisas”, completa a psicóloga Conceição Melo, também gerente do Eulâmpio, com 19 anos de atuação na casa. Ao longo desse tempo Conceição viu muitos usuários desistirem do tratamento. “A evasão é grande. O usuário vive conflito interno e pressão externa”, descreve, lembrando que os problemas que rondam a família e a comunidade permanecem mesmo quando o dependente busca tratamento. Por isso, a lógica da intervenção da saúde é a territorialidade, tratar a pessoa no seu espaço, para onde ela volta, mesmo que seja confinada em longa internação e abstinência.

Apesar de defensora da redução de danos, a coordenadora do programa Mais Vida e da política de álcool e drogas da Secretaria de Saúde do Recife, Pollyanna Pimentel, afirma que não existe solução única na abordagem da dependência e reconhece a necessidade de internamentos. “Trabalhamos com um conjunto de alternativas para que seja aplicada a que mais se adequa ao projeto de cada usuário. Esse projeto é construído pela pessoa e acompanhado por equipe multidisciplinar, que inclui médico clínico, psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, assistente social e agentes redutores de danos.”

O psicólogo Marcus Vinícius Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, membro da Luta Antimanicomial, é enfático: “A reforma psiquiátrica na luta contra as drogas chama-se redução de danos”. Lembra que o crack vem sendo consumido no Brasil há 20 anos. Mas como mudou de classe social e “aos olhos da sociedade toca em vidas aproveitáveis – as classes médias urbanas – merece alarde. “Enquanto esteve corroendo bordas periféricas da subalternidade, da ralé, não houve investimento. Que se matem e morram por lá!, era o pensamento”, diz. Para Marcus, a proposta mais avançada do SUS é o consultório de rua, mas ainda não é valorizada na política antidrogas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Não há dados suficientes para ações de enfrentamento ao crack

Não há dados suficientes para ações de enfrentamento ao crack

O governo destinará R$ 410 milhões neste ano para as ações imediatas previstas no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas. De acordo com a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, essas ações têm sido prejudicadas pelo fato de o país não ter ainda dados estatísticos concluídos sobre o consumo de crack.

– Infelizmente não temos conhecimento real e específico sobre o consumo de crack no Brasil. Os que são mostrados pela imprensa são apenas especulação, porque não há ainda nenhum estudo de âmbito nacional finalizado.

A secretária fez as declarações nesta segunda-feira (5) durante o Seminário Internacional Políticas sobre Drogas, na Câmara dos Deputados. Segundo ela, a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) ainda está concluindo dois estudos sobre o assunto - um apresentando dados epidemiológicos e outro com dados geográficos.

– O que sabemos é que o crack, antes consumido nas periferias das grandes cidades, apareceu surpreendentemente em municípios pobres e na zona rural.

De acordo com ela, "a pedido do presidente Lula, em 2010 serão aplicados R$ 410 milhões em ações imediatas, por meio dos ministérios envolvidos no plano". Desses, R$ 120 milhões vão para o Ministério da Justiça trabalhar no enfrentamento ao tráfico, R$ 100 milhões vão para o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome trabalhar nas ações de reinserção social e R$ 90 milhões exclusivamente para o Ministério da Saúde dobrar o número de leitos para internamento.

Os R$ 100 milhões destinados à Senad serão aplicados em ações de prevenção e coordenação com os demais ministérios, disse a secretária.

– Essas verbas serão aplicadas também em uma campanha de mobilização social e em ações permanentes de mobilização por todo o país, envolvendo profissionais e veículos de comunicação.

O seminário internacional Políticas sobre Drogas é promovido pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Ele reúne até esta terça-feira (6), no auditório Nereu Ramos, autoridades sul-americanas e europeias, que apresentarão as experiências de seus países na política sobre drogas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sobre a Redução de Danos

Estou defendendo a idéia em minha monografia do curso de pós-graduação do Cetad de que a Redução de Danos gradativamente se amplia conceitualmente. Utilizo a expressão "Capilaridade Epistemológica" para provocar tal reflexão, uma vez que deduzo de minhas leituras de que já existe uma trama conceitual sendo tecida e germinada neste campo.

Tenho muitas idéias sobre rd que gostaria de discutir
Rogério Rodrigues Gomes
Este blog é para quem quiser discutir assuntos como:

Uso de substâncias Psicoativas
Políticas Públicas
Saúde Mental