terça-feira, 13 de julho de 2010

Redução de danos é o caminho certo contra o crack

Escrito por Veronica Almeida do Jornal do Commercio
Redução de danos é a principal estratégia da Secretaria de Saúde do Recife para o plano integrado com outras áreas que a prefeitura pretende lançar ainda este mês contra o crack.

Introduzida na política de saúde mental do município desde 2001, ganhou status de programa em 2004 e agora norteia todas as ações de prevenção e assistência a dependentes químicos, seguindo tendência do Ministério da Saúde. “Vamos implantar dez consultórios de rua, ampliar o horário de funcionamento dos seis Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps-AD) com a contratação de 50 profissionais e criar uma escola de redutores de danos”, adianta o secretário-executivo da Saúde, Tiago Feitosa.

Com a redução de danos, a abstinência não é a primeira condição para início do tratamento nem o único objetivo. Ajudar a pessoa a se conhecer, a cuidar de si, a reorganizar a vida e reconstruir vínculos com a família e a sociedade são os pontos de partida. A lógica é diminuir prejuízos, respeitando a escolha do indivíduo. Os redutores de danos atuam nas escolas, nas ruas, nos bares, nos postos de saúde, nos Caps – centro onde o usuário de droga pode passar uma parte do dia em terapia de grupo e individual – e albergues que abrigam quem precisa ficar longe de casa ou do assédio dos traficantes. No Carnaval estão nos focos da folia orientando sobre o uso de preservativo nas relações sexuais e convencendo quem bebe álcool a não dirigir veículos.

A redução de danos seria, então, o atestado de impotência diante das drogas? A professora Roberta Uchôa, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, especializada em álcool e drogas e com experiência na assistência a dependentes químicos, diz que “uma sociedade sem drogas é sonho impossível”. A história “demonstra que sempre usamos algum tipo de droga com diferentes finalidades, para obtenção de prazer e para fins do comércio e do lucro, como no caso das indústrias do álcool, do tabaco e dos medicamentos”. Por isso, argumenta, são necessárias políticas integrais que promovam a redução da oferta, da demanda e dos danos relacionados ao uso.

Roberta Uchôa coordena o projeto de criação da escola de redutores de danos em parceria com a Prefeitura do Recife. Lembra que no Brasil o debate sobre o uso terapêutico da maconha ganha força com a proposta de criação da Agência Nacional de Cannabis Medicinal, para conduzir estudos, por exemplo, como o da erva em substituição ao crack. “Temos que promover debate com evidências científicas para dar conta da tamanha complexidade.” A redução de danos pode ser aplicada a hipertensos, diabéticos, orientando-os a reduzir o consumo de sal e açúcar. No caso de álcool e drogas, explica, “a maioria dos dependentes não consegue parar de usar e muitos não querem parar. Por que com estes temos que adotar a estratégia do tudo ou nada?”.

João Marcelo Costa, psicólogo e gerente clínico do Caps-AD Eulâmpio Cordeiro, explica que uma estratégia inicial de redução de danos pode ser orientar o usuário a utilizar cachimbo apropriado em vez de um improvisado com tubo de caneta que acaba causado infecção respiratória. Depois, vai se construindo com o usuário alternativas de redução do uso. Para ele, o crack desafia a clínica por estabelecer uma dependência muito rápida e chama a atenção da sociedade por exigir políticas públicas. “É a mazela da vez. Houve tempo em que a loucura ocupou muito esse lugar, depois veio a cólera”, exemplifica. O subproduto da cocaína, mais barato e devastador, causa também impacto pela violência em seu entorno. “O problema não é simplesmente a droga e sim a relação que a pessoa estabelece com ela e que impede a vivência de outras coisas”, completa a psicóloga Conceição Melo, também gerente do Eulâmpio, com 19 anos de atuação na casa. Ao longo desse tempo Conceição viu muitos usuários desistirem do tratamento. “A evasão é grande. O usuário vive conflito interno e pressão externa”, descreve, lembrando que os problemas que rondam a família e a comunidade permanecem mesmo quando o dependente busca tratamento. Por isso, a lógica da intervenção da saúde é a territorialidade, tratar a pessoa no seu espaço, para onde ela volta, mesmo que seja confinada em longa internação e abstinência.

Apesar de defensora da redução de danos, a coordenadora do programa Mais Vida e da política de álcool e drogas da Secretaria de Saúde do Recife, Pollyanna Pimentel, afirma que não existe solução única na abordagem da dependência e reconhece a necessidade de internamentos. “Trabalhamos com um conjunto de alternativas para que seja aplicada a que mais se adequa ao projeto de cada usuário. Esse projeto é construído pela pessoa e acompanhado por equipe multidisciplinar, que inclui médico clínico, psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, assistente social e agentes redutores de danos.”

O psicólogo Marcus Vinícius Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, membro da Luta Antimanicomial, é enfático: “A reforma psiquiátrica na luta contra as drogas chama-se redução de danos”. Lembra que o crack vem sendo consumido no Brasil há 20 anos. Mas como mudou de classe social e “aos olhos da sociedade toca em vidas aproveitáveis – as classes médias urbanas – merece alarde. “Enquanto esteve corroendo bordas periféricas da subalternidade, da ralé, não houve investimento. Que se matem e morram por lá!, era o pensamento”, diz. Para Marcus, a proposta mais avançada do SUS é o consultório de rua, mas ainda não é valorizada na política antidrogas.

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